Morcegos300Algumas caras podem até mudar, dando algum ar de renovação. Alguns discursos podem até parecer mais enfáticos. Mas, o verdadeiro perfil do Legislativo santista segue inalterado. Em médio e longo prazos o parlamento santista continua com o mesmo tipo de controle exercido pelo Executivo, que navega no mar da reeleição com larga folga de votos. O PSDB, no comando da política local, pode se dar ao luxo de negociar a presidência da Câmara, entregando-a a um partido da base aliada. Desde que volte ao comando no próximo biênio.

Eventualmente, algum barulho poderá ocorrer até que haja a natural acomodação dos novos eleitos, também chamada de cooptação. Trata-se daquele momento em que o governo chama o eleito e diz: ou você está conosco ou não está. E, sabe-se, qualquer atitude contrária enfrentará o desprezo e o mau humor da retaliação. No mais, vereadores seguem orientações de seus partidos, que detêm cargos e salários na gestão tucana. Podem posar de paladinos, mas a conversa não é bem assim.

A nova safra legislativa chega animada, cobrando isso e aquilo. Agora com mais representantes na Câmara, a Zona Noroeste ganha expressão. O velho problema das enchentes volta a assolar tanto os moradores quanto os discursos em plenário. Se antes contava com Manoel Constantino (PSDB, nono mandato) e Adilson Jr (PDT, terceiro mandato), agora a ZN tem ainda o reforço de Fabiano da Farmácia (PR, primeiro mandato) e Augusto Duarte (PSDB, primeiro mandato). Também mantém o foco na região, Telma de Souza (PT, terceiro mandato), além de outros, eventualmente.

Pelo menos um projeto aprovado neste início de legislatura já deu indícios do que vai se seguir adiante. A proposta ratifica uma das especialidades do Legislativo santista: a arte de “passar mel na boca” do eleitor. A expressão é de origem judaica e o ato era praticado em bebês, antes da circuncisão, a fim de evitar o choro da criança. A analogia é pertinente, uma vez que o projeto em questão apenas ilude o cidadão e não tem eficácia na resolução do problema. A matéria apresentada pelo presidente da Câmara propôs isenção de IPTU para imóveis da Zona Noroeste atingidos frequentemente por enchentes. Outro vereador governista logo tratou de jogar água fria na fervura. Esclareceu que o projeto autoriza o Executivo a tomar tal decisão, mas não o obriga. Ou seja, se quisesse fazê-lo, o prefeito não precisaria do projeto. Logo, o vereador faz média com o eleitor; passa mel em sua boca. Mas, não gera nenhuma solução. Imaginem moradores da rica Ponta da Praia pedindo isenção de impostos após as ressacas, cada vez maiores. Também sofrem com enchentes as ruas do Campo Grande, Gonzaga, José Menino, além de outros bairros.

Se por um lado o Legislativo continua apresentando projetos que apenas iludem o cidadão, por outro, o mesmo não deve se iludir com as velhas práticas. Fato recente pegou muito mal, até entre os próprios vereadores. Trata-se de decisão da nova mesa diretora da Câmara, que manteve pessoas indicadas para cargos, por vereadores que deixaram o Legislativo por uma boquinha no Executivo. Sadao Nakai, Cacá Teixeira (PSDB) e Hugo Duprre (PSD) se licenciaram para ocupar cargos na prefeitura. Pelo menos um vereador não teve dúvidas em tratar o caso como imoralidade. “Precisam decidir se querem ser secretários ou vereadores. O Executivo não pode nomear no Legislativo”. A função do Parlamento é fiscalizar o Executivo e a constatação da dupla influencia é uma flagrante contradição. Além de merecer outros adjetivos, como dito pelo parlamentar em plenário, ao vivo e em rede.

Outra velha prática é o tratamento da coisa pública como uma ação entre amigos. E figura no centro desta atitude, ninguém menos que o novo líder do governo na Câmara. Ademir Pestana (PSDB, terceiro mandato), dirigente de uma instituição de saúde, vem a público usando o plenário do Legislativo para anunciar que foi contemplado com uma “gentileza” por parte da Secretaria de Saúde municipal. Trata-se da proposta batizada de corujão, que consiste em repassar à iniciativa privada a realização de exames que deveriam ser realizados pela rede pública de saúde. “Já conseguimos 500 exames”, anunciou o parlamentar dirigente de hospital, o mesmo envolvido em um dois mais escandalosos episódios de descaso com a saúde alheia. A tranquilidade ou o cinismo do governo tucano são tamanhos, que a liderança do governo no Legislativo foi dada ao parlamentar, sem que o seu passado de gestor público tenha sido levado em conta. Não se sabe o motivo, mas ao rebater a afirmação de que o “corujão” aprofunda o desmonte e a desconstrução do Sistema Único de Saúde – SUS, patrocinado pelo governo tucano de Santos, as mãos do vereador tremiam na tela da TV.

Oposição sufocada – A legislatura anterior começou com dois parlamentares na oposição, Adilson Jr, eleito pelo PT, que posteriormente se transferiu para o PDT e aliou-se ao tucanato, e o médico Evaldo Stanislau, que deixou a sigla petista em direção a Rede Sustentabilidade. A legislatura atual também começa com dois nomes na oposição, ambos no PT, sendo a ex-prefeita Telma de Souza e o novato Chico Nogueira. Da ex-prefeita, ex-deputada estadual e federal, o eleitor sabe que pode tirar conclusões por meio do histórico. O mesmo não se pode dizer do estreante. O mesmo não se pode dizer do estreante. No entanto, é bem limitado o que ambos podem fazer diante da esmagadora maioria de apoio ao governo do atual prefeito.

Aos poucos o eleitor vai perceber que nada de significativo mudou. A Câmara continua respondendo às mesmas ações na Justiça, por licitação irregular, contratação irregular de funcionários e por maior transparência, além de outras. A nova mesa diretora foi empossada com o compromisso de não mexer onde não deve, como por exemplo, nas nomeações para cargos com polpudos salários. O acordo firmado com o tucanato deu a presidência a Adilson Jr por mera concessão, a fim de evitar superexposição do partido, que já controla o Executivo. A tarefa da mesa, no entanto, é fazer a travessia segura, entregando o bastão para os tucanos daqui a dois anos. Logo, se vê que apesar de algum barulho em plenário durante as sessões, isto não passa de jogo de cena a fim de ludibriar a fé do cidadão santista. Para que algo realmente mude, o eleitor precisa fazer muita pressão, a ponto fazer o parlamentar perceber que eventual decisão contrária ao interesse público pode lhe custar o mandato.