O Projeto de Lei Complementar, de autoria do presidente da Câmara, Carlos Teixeira Filho, o Cacá (PSDB), que altera e acrescenta dispositivos à Lei 3.531/68 – Código de Posturas do Município, direcionado a pessoas em situação de rua, acabou não indo adiante.

O trabalho previa a proibição da lavagem de pertences nos chuveirinhos. A tentativa de atingir as pessoas em vulnerabilidade social acabaria também impactando a população em geral, inclusive os turistas.

O fato é que ao ser aprovado em 1ª discussão, na quinta-feira passada (11), o assunto gerou muita polêmica nas redes sociais. Nesta terça (16), quando seria votado novamente, o autor resolveu suspender por 20 sessões.

O parlamentar não especificou ‘pessoas em situação de rua’ no projeto, mas apenas na justificativa. Assim, no momento em que houvesse a fiscalização (coibindo somente os vulneráveis socialmente) a ação estaria ferindo o princípio constitucional da isonomia. A regra teria que valer para todas as pessoas, inclusive aquelas que usassem os lava-pés para tirar areia dos chinelos ou de brinquedos de crianças, por exemplo.

Mas boa parte da repercussão negativa se deu também por ser um projeto cruel a quem está vunerável socialmente e só tem os chuveiros como acesso à água. Em dias de altas temperaturas, como têm ocorrido até fora do verão, a situação seria bastante nociva para as pessoas que não têm outro meio de manter as mínimas condições de limpeza.
Ao jornal Diário do Litoral, a coordenadora do Movimento Nacional de Luta e Defesa da População em Situação de Rua e diretora do Jornal Vozes da Rua, Laureci Elias Dias, a Laura Dias, disse que a tentativa significa negar o único acesso público à água, que é um direito constitucional.

“Não é justo tirar de quem já não tem nada. O único equipamento público que dá acesso a banho é o Centro Pop, que fica no centro da Cidade. Não tem abrigos e centros de convivência suficientes. Uma mulher no período de menstruação não poder pegar um pote de água para se lavar é muito cruel. Turista lava a roupa suja de areia, brinquedos, cadeiras, enfim. Por que tanta perseguição à rua? Já não basta a arquitetura higienista. Ao invés de promoverem políticas públicas, querem exterminar pessoas em situação de rua?”, dispara.

A possibilidade de mudança no Código de Posturas também atingiria em cheio os comerciantes e ambulantes da orla. Muitos pegam água nos chuveirinhos e até lavando utensílios utilizados durante o trabalho nas areias santistas.
Já a advogada da Associação dos Guardas Civis Municipais da Baixada Santista, Lilian Arede Lino afirmou à reportagem que a possibilidade de se estabelecer multa para a pessoa que está em situação de rua significa violar ainda mais o respeito à dignidade da pessoa humana, contrariando a Constituição.

“Não se pode fazer distinção nem de longe entre as pessoas. O artigo 5º da Constituição Federal ensina que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Temos um problema social grave que deve ser enfrentado com cautela e essa questão merece um debate jurídico e, até mesmo, ser levada para as universidades da região. É um problema social de questão multidisciplinar”, resume.

O Conselho Nacional de Direitos Humanos preconiza que o Estado deve garantir às pessoas em situação de rua o direito à cidade, constituído entre outros pelo direito de ir e vir, também o de permanecer em espaço público.

HISTÓRICO
Essa não é a primeira vez que se tenta coibir ou dificultar parcialmente o acesso aos chuveirinhos. Em 2015, o então prefeito de Santos, Paulo Alexandre Barbosa, informou que 75% dos chuveirinhos da orla da praia seriam desligados. Com isso, quem usasse o equipamento sem responsabilidade poderia ser multado em R$ 500,00, de acordo com um projeto de lei encaminhado pelo prefeito à Câmara de Vereadores.

Em 2018, a Prefeitura anunciou um estudo que, entre outras mudanças na orla, estava prevista a cobrança do uso da água na praia.

Dois anos depois, o vereador Rui de Rosis (MDB) apresentou um requerimento dirigido ao prefeito Paulo Alexandre Barbosa pedindo que os chuveirinhos passassem a ter o uso cobrado por meio de aplicativo de celular.
VEREADORES DE SANTOS, PARA QUEM ELES TRABALHAM?