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O prefeito de Santos, Paulo Alexandre Barbosa (PSDB), encaminhou para a Câmara, sem qualquer discussão com a sociedade, três projetos de lei que criam programas para instituir parcerias público-privadas (PPPs) em três setores estratégicos da administração pública e que podem impactar diretamente a qualidade de vida na Cidade.

Os PLs 377/2019 e 379/2019, que respectivamente preveem PPPs para a coleta de lixo e para a iluminação pública, foram aprovados em 1ª discussão, em sessão extraordinária e em regime de urgência (artigo 24, sem passar por todas as comissões). Apenas os dois vereadores do PT votaram contrariamente.

Já o PLC 109/2019, que trata da PPP para a Habitação de Interesse Social, ainda não foi pautado.

Sendo aprovados os três projetos, estas três áreas ficarão décadas sob concessões de empresas interessadas em lucrar prestando estes serviços, cobrando diretamente a população. A coleta de lixo já é feita por uma empresa, a Terracom e o munícipe já sabe quanto paga na taxa de lixo. A tarifa será maior? Como funcionaria essa cobrança e a política de aumentos? Quais serviços abarcaria? Respeitará os planos de gestão integrada de resíduos sólidos? Permitirá a gestão democrática desta política?

A iluminação pública, por sua vez, é de responsabilidade da Secretaria de Serviços Públicos, que vem mantendo contrato com o Consórcio SQF Luz desde 2015 para a substituição e manutenção das lâmpadas. Também ficam essas e outras dúvidas quanto a uma PPP nessa área, já que são numerosos os casos de irregularidades constadas em parcerias desse tipo em outros municípios.

Além disso, como a própria Prefeitura divulga, foram feitos investimentos consideráveis no setor, com a troca de 80% das lâmpadas antigas por lâmpadas modernas de LED. Todas essas melhorias serão entregues de bandeja para uma empresa gerenciar e auferir lucro? A troco de quê?

No caso da PPP da Habitação, a lógica empresarial entraria como uma novidade em Santos com contornos ainda mais obscuros, pois envolveria justamente a política habitacional de interesse social, onde a tônica do lucro não é compatível, sob pena de simplesmente não atender quem realmente precisa.

Os três projetos de lei foram enviados à Câmara na primeira e na segunda semana do último mês do ano, às vésperas do recesso legislativo. Dois deles entraram no rito de urgência, como se fossem liquidações de fim de ano.

No quadro abaixo mostramos algumas experiências de PPPs que soam como alertas. Lembrando que se trata de uma Câmara Municipal majoritariamente controlada pelo Executivo e que em diversas oportunidades votou projetos de forma alinhada aos interesses do setor empresarial.

O Governo Paulo Alexandre não fez qualquer discussão com a sociedade para formatar os projetos, mostrando que sua gestão não é democrática, nem participativa. Mandou os textos já acabados diretamente para o Legislativo.

A bola agora está com a Câmara, que deveria de fazer o que o prefeito não fez: abrir um amplo e transparente debate com a população para que ela decida se esse modelo é a melhor alternativa para executar as políticas. Pelo andar da carruagem (o projeto deve ser votado em 2ª discussão na próxima segunda) e pelo perfil da Casa, já vimos que é esperar demais dos eleitos.

 

PPPs de Iluminação Pública

>>Em agosto deste ano, uma denúncia formulada pelo vereador de Porto Alegre (RS), Mauro Zacher (PDT), maculou a tentativa da prefeitura da capital gaúcha em abrir uma PPP para a iluminação pública, estimada em mais de R$ 770 milhões. Após denunciar o direcionamento do processo na tribuna do Legislativo municipal, o parlamentar e mais dois vereadores entregaram uma representação, detalhando as denúncias ao Ministério Público de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (MPCRS), que abriu processo para avaliar o conteúdo do material.

>> Em março deste ano, o Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE/SC) determinou a suspensão do edital de concorrência para PPP envolvendo a concessão do serviço de iluminação pública de Palhoça, na Grande Florianópolis. Foram citados indícios de irregularidades constatadas pela Diretoria de Controle de Licitações e Contratações (DLC), valor do custo médio ponderado acima da realidade de negócios análogos e com direto impacto nas tarifas para os usuários, além de critérios subjetivos para apreciação das propostas técnicas. O valor estimado da PPP era de R$ 486,2 milhões, com prazo de 30 anos.

>>Em dezembro do ano passado, o Tribunal de Justiça anulou a PPP da iluminação pública na capital paulista, com contrato de R$ 7 bilhões. O processo foi investigado por suspeita de fraude. Uma das empresas de um dos grupos concorrentes foi considerado inidôneo pela Controladoria-Geral da União (CGU), por suborno. O Ministério Público também investigou suposto pagamento de propinas na licitação bilionária da Parceria Público-Privada, mas acabou arquivando o inquérito.

 

PPPs do Lixo

>>Na cidade de Maringá (PR), a PPP bilionária para a coleta, tratamento e destinação final do lixo foi marcada por irregularidades. Depois de meses dizendo que tudo estava dentro da legalidade, o prefeito da época acabou sancionando uma lei que revogava a autorização que a Câmara tinha dado para a transação. Antes disso, o Tribunal de Contas do Estado já havia apontado 12 impropriedades graves no edital e anulado o certame.

>>Em Campinas, o MP também acusou omissão no projeto de PPP na área e recomendou à Prefeitura a suspensão do processo por deficiência de informações, falhas, contradições e falta de projeções.

 

PPP da Habitação de Interesse Social

>>Em São Paulo, especialistas em arquitetura e urbanismo criticam a PPP da habitação do município, conhecida como PPP Casa da Família. Os cálculos dão conta de que mais de três mil famílias seriam removidas de suas casas para dar lugar aos empreendimentos. Outra crítica é de não haver previsão para atender aqueles que ganham menos de um salário mínimo e também as famílias que não alcançam os critérios exigidos pelo agente financeiro escolhido pelas empresas. Além disso, dos 12 lotes da licitação, seis tiveram licitantes – nenhum deles com concorrência real, já que houve apenas um interessado por lote.

>>Também em relação à PPP Habitacional do Estado, chamada de Casa Paulista, os especialistas analisam que os projetos são desenhados e planejados conforme as determinações e interesses do ente privado e só posteriormente o público alvo é ‘encaixado’ nesse desenho, e não o contrário. Resultado: os cofres públicos pagam por anos as empresas com juros para atender um publico não necessariamente prioritário, comprometendo a capacidade futura de investimento em habitação voltada para a parcela mais vulnerável dentro do déficit habitacional.

 

“PPPs são bombas-relógio sobre o caixa público”, diz estudo

 No Brasil, segundo reportagem da Folha de S. Paulo, 53 estados e prefeituras tinham PPPs em 2018, mas 80% deles não acompanham de forma adequada o impacto fiscal de longo prazo de seus contratos -que implicarão pagamentos mensais por períodos que vão de 8 a 35 anos.

O levantamento, que considera PPPs assinadas até o fim de 2017, foi feito pela Folha com base em dados da consultoria Radar PPP e relatórios de execução orçamentária dos entes públicos.

Dos 53 governos com contratos vigentes, 42 não fazem registro dos pagamentos em seus balanços ou estão descumprindo regras fiscais. Apenas cinco preenchem os requisitos definidos pelo Tesouro. Os demais cumprem parcialmente.

A falta de registro do impacto fiscal desses contratos de longo prazo é preocupante, segundo especialistas, porque facilita que governantes firmem PPPs sem uma avaliação adequada, jogando a conta para os prefeitos e governadores futuros.

A matéria ouviu especialistas que alertam também para a falta de expertise dos tribunais de contas para fazer o controle adequado desse instrumento administrativo.