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Uma completa inversão de propósitos prevê o projeto de lei 195/2017, do vereador Chico Nogueira (PT, 1º Mandato), apelidado de Bolsa Creche.

A proposta, aprovada em primeira discussão na última sessão (8), institui o repasse de R$ 477,00 para mães colocarem seus filhos em creche particulares, se por acaso faltarem vagas na rede pública.

Embora pareça bem intencionada, a lei pode criar uma prerrogativa perigosa, que é a transferência de dinheiro da educação pública para rede de ensino particular. Pode servir de muleta para que o Executivo protele ano a ano o investimento na ampliação da rede municipal.

É importante lembrar que a educação infantil, em creche e pré-escola, é uma premissa constitucional, garantida às crianças até 5 anos de idade. Assim como a saúde, é dever do Estado garantir e prover diretamente o acesso às unidades escolares (art. 208IV, da CF/88).

As prefeituras, que têm o dever de atuar prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil (art. 211§ 2º, da CF/88), não podem se recusar a disponibilizar atendimento para todos.

Caso o município não garanta a vaga em creche e pré-escola, a mãe pode e deve exigir esse direito junto ao Poder Judiciário.

Em Santos já temos o agravante de boa parte da demanda ser direcionada às creches conveniadas, com o município pagando as chamadas organizações da sociedade civil (OSCs) por cada criança matriculada. Ocorre que muitas destas entidades do terceiro setor não contam com a mínima transparência e acabam sendo usadas como redutos eleitorais, com aparelhamento e loteamento político.

A população não tem acesso aos pormenores dos gastos efetuados com o dinheiro público repassado e nem consegue auferir se a qualidade nos serviços está dentro do ideal. Os mecanismos de controle similares aos que são exigidos das administrações públicas (licitações, pregões eletrônicos, tomada de preços, publicação de contratos) simplesmente não existem nesse tipo de terceirização.

Enquanto delega a terceiros essa área chave no processo de desenvolvimento de nossas crianças, a administração municipal vai se desobrigando de investir em novas salas e unidades próprias e deixando de fazer concurso público para professores. Paralelamente, cada vez mais as condições de trabalho para funcionamento das escolas da rede direta piora. Isso dá aos munícipes a sensação de que tudo o que é público é ruim. Depois passam a repetir a cantilena do governo que terceirizar/privatizar os serviços é a solução.

Em 2018, cerca de 11.100 crianças foram matriculadas nestas unidades terceirizadas. O número é 11% maior do quem em 2017, quando 10.017 crianças foram atendidas nessas condições.

E PODE PIORAR

Um outro risco deste projeto de lei é que no futuro ele tenha suas regras alteradas, permitindo a realização de chamamentos públicos para firmar convênios com organizações particulares em larga escala. Uma situação que pode, inclusive, abrir caminho para instituir a gestão compartilhada com a iniciativa privada em prédios/unidades municipais. Já vimos que na saúde esse modelo não tem sido bem sucedido.

O papel dos vereadores é exigir que o prefeito cumpra as políticas públicas construídas com muito custo pela sociedade. É exigir que toda a criança tenha seu direito garantido. Não é função do vereador sugerir subterfúgios para flexibilizar os ditames constitucionais e as regras da administração pública.

Fora tudo o que foi pontuado, sabemos que boa parte das escolinhas particulares são mais parecidas com depósitos de crianças do que unidades de Educação. Os vereadores depois irão em cada um destes locais para acompanhar a qualidade do atendimento?

Por trás de um programa com nome bonito e apelo popular fácil, há riscos de retrocesso no ensino público infantil.

Resta saber se os vereadores correrão esse risco na sessão desta quinta-feira (11), quando o projeto volta a ser votado, em segunda discussão. Caso seja aprovado, segue para sanção ou veto do prefeito.