Chargecerveja300O esforço arrecadador do governo tucano de Santos pode estar de olho na taxação da cerveja artesanal e caseira. Está na Câmara um projeto de lei que dá condições para isso. Ele cria o Programa de Regulamentação e Incentivo ao Desenvolvimento de Microcervejarias Artesanais e Caseiras – Conscerva. Cervejeiros ouvidos para esta reportagem dão boas vindas ao projeto, mas fazem inúmeras ponderações. O projeto tem viés para as microcervejarias, ou para quem quer abrir bar, restaurante ou local de degustação. A produção caseira está a reboque no projeto e pode ficar apenas com o ônus.

“Se há a intenção de comercializar a sua cerveja para o grande público, toda legalização é bem vinda. Estabelece regras que têm de ser cumpridas por todos. Mas se a sua intenção é apenas fornecer aos amigos, não vejo vantagem. A gente sabe que os governos só sabem taxar e não dão nada em troca”. Esta é a opinião de Eugênio Martins Júnior, que produz até 80 litros mensais. Ele afirma também não ter sido chamado para qualquer discussão sobre o assunto. O projeto estabelece ainda que os produtores devam ter local aberto à visitação. “Não vejo problemas caso o cervejeiro queira abrir um negócio. Em restaurantes, isso já acontece. Mas nos moldes caseiros isso não se aplica. Não vou abrir a porta da minha casa para qualquer um”.

Eugênio analisa ainda que o projeto não é para todos. “Pelo que eu entendi o projeto se destina àqueles que pretendem abrir um brew pub (fabricam e sevem a própria cerveja). As exigências que existem são normais tendo em vista que os alimentos devem ser manipulados adequadamente… Só acho equivocado colocar sobre as costas do cervejeiro a responsabilidade de ter de elaborar ou participar de programas que visam combater o alcoolismo. Esse não é o papel do cervejeiro”.

Ricardo Rugai, sommelier de cerveja, professor e produtor, focado em economia da alimentação, afirma que a legislação federal do setor foi feita para a grande indústria e restringe os pequenos. “O projeto é uma ótima iniciativa. Ainda precisa de uma regulamentação mais precisa e adequada ao cervejeiro caseiro, o verdadeiro artesanal. A conformidade com a legislação federal ainda é uma questão a encarar, pois tal legislação, feita sob pressão das megacervejarias, especialmente a AMBEV, é muito restritiva, tanto para as microcervejarias quanto para os cervejeiros artesanais caseiros”.

Segundo ele, a Baixada Santista já deve ter pelo menos 50 cervejeiros caseiros. “É um número que não para de crescer e para o qual buscamos contribuir fomentando a cultura cervejeira com cursos de produção, degustações e disseminação de boas cervejas, entre amigos. O projeto merece todo apoio e necessita envolver cada vez mais cervejeiros para que se criem critérios adequados à realidade que não gerem entraves futuros”.

Quanto a critérios específicos relacionados à produção de alimentos, ele vê novamente uma ação de mercado. “A produção de cerveja não oferece risco maior do que o preparo de uma feijoada e ou de um churrasco. A verdade é que boa parte das restrições à produção e consumo de cerveja artesanal nada tem a ver com questões de saúde. Devem-se única e exclusivamente a questões de mercado, à busca do controle monopolista e do lucro fácil. Está mais do que na hora de valorizar os cervejeiros caseiros, os grandes divulgadores não apenas de suas cervejas, mas de toda e qualquer cerveja artesanal e especial em nosso país”.

Outro produtor caseiro, Eduardo Interlichia acha que o projeto é viável, mas precisa ser amadurecido. No entanto, não se enquadra na proposta. “O projeto é bom, mas faltam especificações. Eu não me enquadro, pois apesar de citar os cervejeiros caseiros, seu texto diz respeito às microcervejarias. No meu entendimento, a única restrição diz mais respeito ao volume de produção e descarte de material; esse segundo ponto, na minha opinião, tem mais importância e foi bem destacado pelo projeto, mas acho a limitação por volume desnecessária”. O projeto define a produção de uma microcervejaria, como não superior a 3 mil litros mensais.

Ele também vê dificuldades no enquadramento da produção doméstica. “Ainda não vejo como aplicar isso aos moldes caseiros, mas talvez seja adaptável. Os cervejeiros caseiros talvez possam se organizar coletivamente e alugar espaços para suas produções. Atualmente tem bastante gente produzindo cerveja caseira, na maioria das vezes na cozinha de casa mesmo. É difícil pensar nesse tipo de produção como algo sujeito a controle”. Ele acha que o projeto precisaria ser adaptado.

A expectativa de todos, no entanto, é que o projeto não seja meramente oportunista. “Espero que a discussão em relação à cerveja não caia na politicagem barata como tudo no Brasil. A cerveja artesanal é diferente da cerveja industrial”, sentenciou Eugênio Martins.