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Uma cidade limpa, bonita, sem miserabilidade nas ruas e agradável de se viver e de se visitar. Quem não quer isso? O problema é como atingir esse cenário.

Da cabeça de alguns vereadores de Santos saem algumas sugestões, que são encaminhadas ao Executivo, principalmente na forma de indicações e requerimentos.

Incluem cobrança de investimentos em políticas públicas, como educação e saúde? Exigem projetos habitacionais para reduzir o déficit por moradias, beneficiando quem mora na rua, em cortiços, palafitas ou em áreas de risco em morros? Sugerem programas de geração de emprego e renda para quem não tem formação?

Não, os requerimentos que vamos mostrar hoje, um dia após a realização da marcha dos excluídos na Baixada e em todo o Brasil, não incluem nada disso para melhorar a imagem da Cidade, que inclusive foi capa negativa da Revista Veja São Paulo (quem diria?), no último domingo.

Exemplo é o requerimento do vereador Antônio Carlos Banha Joaquim (MDB, 5º Mandato). Como forma de melhorar a mobilidade e a paisagem santista, ele sugere que o Executivo determine à CET e à Guarda Municipal estudos para proibir a presença de artistas nos semáforos, como aqueles que manipulam malabares. Pedintes também seriam coibidos pelas equipes da GM e dos agentes da CET.

“Que se faça estudos para proibição de práticas de mendicâncias e de atividades de malabarismos com facas e fogos nos cruzamentos e semáforos das vias urbanas no âmbito do município de Santos”, diz o requerimento 3.954/2019, aprovado pelos demais vereadores na 37ª sessão legislativa.

Com a aprovação do armamento de parte dos guardas municipais, imaginamos que pessoas miseráveis nas ruas tendem a ser tratadas como caso de polícia. É também do vereador Banha um projeto de lei – hoje anexado a outro PLC – que visa criar diversos obstáculos e regulamentos para artistas mostrarem sua arte ao ar livre.

E não podemos esquecer do projeto de Rui de Rosis (MDB, 1º Mandato). O atual presidente da Câmara quer, por meio do PL 63/2018, proibir sob pena de multa, que haja qualquer atividade em cruzamentos e semáforos “visando contribuir para a desobstrução da via pública” ao mesmo tempo trazer “segurança aos transeuntes e motoristas, desimpedindo a via pública, permitindo um menor fluxo no trânsito”.

A propositura foi transformada no Projeto de Lei Complementar 58/2018 e depois anexada a outro projeto de teor semelhante. Ainda não foi pautado para votações preliminares.

Fotos para recordação

Outro exemplo de requerimento ilustra a capacidade dos edis em terem ideias simplórias em vez de se debruçaram nos complexos e profundos problemas de gestão que marcam o atual governo, inclusive com alertas do Tribunal de Contas pelos baixos indicadores sociais e educacionais.

Este outro exemplo de trabalho irrelevante vem do vereador Ademir Pestana (PSDB, 4º Mandato), que sugere como forma de fomentar o turismo que a Prefeitura instale totens com o símbolo da Cidade para que as pessoas possam tirar selfies. “Indico ao sr. Prefeito Paulo Alexandre Barbosa para que sejam colocados em pontos turísticos de nossa Cidade totens que permitam às pessoas obterem fotos do local com o logotipo da Cidade para recordação “, diz a indicação 4142/2019, apresentada no último dia 8 de agosto.

O vereador até apresenta um modelo de como seria esse totem. Vai na mesma linha de outra indicação feita recentemente, para que a prefeitura coloque nas ruas letreiros turísticos com os dizeres “Em Amo Santos”, para que as pessoas possam tirar selfies e divulgar o Município.

Maquiagens urbanísticas, medidas imediatistas e higienistas para turista ver não vão resolver o problema social que assola o país e se reflete em Santos. Os vereadores sabem que a população de rua cresce ano a ano, a despeito do trabalho incessante dos profissionais da assistência social que atuam abordando essas pessoas para tentar encaminhá-las para acolhimento e tratamento. Então, por que não cobrar do Executivo um plano de enfrentamento desta situação, atuando nas reais causas e também na prevenção deste triste quadro de degradação humana?

Quantas pessoas vivem ou trabalham de forma precária nas ruas de Santos? De onde são? Por quais motivos precisaram recorrer às ruas para proverem seus sustento? Quais são seus dramas?

Por que disputam espaço com pedestres e motoristas? Será falta de trabalho, falta de vínculos, problemas de saúde mental, ou vício em drogas/álcool? Ou tudo isso junto?

Quem quer saber? Quem quer resolver de fato esse desafio sem discurso fácil e requerimento inútil?

Os vereadores sabem que a desigualdade de renda, medida pelo Índice de Gini, aumentou em Santos? Que passou de 0,52, em 1991, para 0,53, em 2000, e para 0,55, em 2010 (de 0 a 1, quanto maior o índice, maior o nível de desigualdade)?

Os vereadores sabem que o IDHM em Santos (que contempla renda, expectativa de vida e educação) cresceu abaixo da média estadual, enquanto a desigualdade cresceu no período?

Enquanto perguntas como estas não forem feitas e respondidas, farrapos humanos continuarão no campo de visão de moradores e turistas, modificando a paisagem da “Cidade da Liberdade e da Caridade”, que dizem ser uma das melhores para se viver (melhor para quem?)

Objetos, roupas, colchões e cachorros continuarão nas ruas, jardins e nas calçadas, para irritação seletiva e omissão de muitos. A humanidade dos excluídos e suas histórias continuarão invisíveis, embora seus corpos sejam incomodamente aparentes, na Santos de mentira.