Charge constituição

Já apontamos nesta página que boa parte dos projetos aprovados pela Câmara Municipal são inconstitucionais. Sem qualquer constrangimento, os vereadores de Santos costumam referendar trabalhos em afronta à Carta Magna, mesmo com advertências da Secretaria Jurídica e com pareceres contrários da Comissão de Constituição e Justiça e Redação.

Na sessão do último dia 12, antes do feriado prolongado, aconteceu de novo. O erro, desta vez, diz respeito ao percentual do orçamento a ser destinado à Saúde. A iniciativa equivocada partiu do Executivo, por meio do Projeto de Emenda à Lei Orgânica (PELOM) 12/2017.

Na tentativa de atualizar a nossa Lei Orgânica aos ditames constitucionais, o prefeito Paulo Alexandre Barbosa (PSDB) enviou a proposta, frisando que 15% das receitas próprias do município devem ser aplicados na Saúde. Hoje, o parágrafo 2º, do artigo 183 da referida Lei Orgânica fala em “10% das despesas globais”.

E o que está expresso na Constituição e na Lei Federal 141/2012, que regulamenta o assunto? Nem uma coisa e nem outra! Sim, é fato que a Lei Orgânica santista está errada. Mas a tentativa de “corrigi-la” só piorou as coisas.

A Lei Federal 141/2012, que regulamenta o §3º do artigo do 198 da nossa Carta Magna é bem clara ao determinar que não apenas 15% das receitas próprias (detalhadas no artigo 156 da CF) devem ser destinadas à Saúde. Entram nessa conta também as transferências dos Estados e da União (expressos nos artigos 158 e 159 da CF).

Para que não pairem dúvidas, segue a transcrição do artigo 7º da referida lei federal: “Art. 7º Os Municípios e o Distrito Federal aplicarão anualmente em ações e serviços públicos de saúde, no mínimo, 15% (quinze por cento) da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam o art. 158 e a alínea “b” do inciso I do caput e o § 3º do art. 159, todos da Constituição Federal”.

Assim, no afã de agradar mais uma vez o prefeito, a maioria dos vereadores referendou o equívoco do Executivo, mesmo sendo alertada pelo vereador Fabrício Cardoso (PSB, 1º Mandato) de que seria preciso consultar com calma a legislação. Aliás, Cardoso e Telma de Souza (PT, 3º Mandato) foram os únicos que defenderam o adiamento do projeto. Até porque, na prática, Santos já investe na área bem mais do que mínimo constitucional.

Como os parlamentares apoiadores do Governo se recusaram a analisar com mais calma o texto e insistiram em aprovar o PELOM do prefeito em segunda discussão, Cardoso optou por apresentar uma emenda visando corrigir a confusão. Na justificativa, o parlamentar explica juridicamente o imbróglio e ainda ressalta que o ideal seria que nossa lei orgânica não abarcasse o assunto. Assim, bastaria seguirmos o que diz a Constituição e pronto. Inclusive, é o que acontece em muitos municípios, como São Paulo.

O projeto não será publicado, até que a emenda modificativa seja analisada. O texto da emenda altera o parágrafo 2º do PELOM, conforme segue: “§2º O Município aplicará, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde, no mínimo, 15% (quinze por cento) do produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º, da Constituição Federal”.

Comissões aprovaram

Neste caso em especial, lembramos que a afronta ao mandamento constitucional presente no projeto do Executivo não foi percebida por várias comissões permanentes da Câmara, a saber: Comissão Permanente de Justiça, Redação e Legislação Participativa, presidida pelo vereador Manoel Constantino (PSDB, 9º Mandato), Comissão de Finanças e Orçamento, presidida por Antonio Carlos Banha Joaquim (MDB, 5º Mandato), Comissão de Saúde e Higiene, liderada por Telma de Souza (PT, 3º Mandato) e, por fim, Comissão de Obras, Habitação Social, Serviços Públicos e Transportes, presidida por Augusto Duarte (PSDB, 1º Mandato).

Sabemos que o Poder Legislativo existe para formular leis que respondam aos anseios da população, em consonância com os princípios constitucionais. Existe também para fiscalizar se as ações do Poder Executivo estão alinhadas ao interesse público e, igualmente, às normas de organização do Estado e da sociedade, à luz das garantias e direitos fundamentais previstos na lei maior.

Portanto, em nível local, temos mais um exemplo de que essa engrenagem institucional não está funcionando como deveria. Mais uma vez perguntamos: Vereadores de Santos, para quem eles trabalham?